ENTREVISTA EXCLUSIVA a Luís Mota, Administrador do LVL Group
Fotos: António Pedro Santos
Um exemplo inspirador, oportuno de empreendedorismo sustentável.
O QUE CONSIDERA TER SIDO DETERMINANTE NO SEU PERCURSO ATÉ EMPRESÁRIO E ADMINISTRADOR DO LVL GROUP?
LM: Em primeiro lugar, considero importante o facto de a minha formação ter sido muito variada, tanto no tipo de estabelecimentos como de geografias. Como consequência, contactei com diferentes realidades e privei com colegas de variados estratos sociais, formações experiência de vida diversas.
Esta realidade alargou os meus horizontes e foi essencial para moldar a minha visão do mundo e da realidade empresarial.
A frequência da escola industrial permitiu-me obter conhecimentos práticos que ainda hoje me são da maior utilidade. É com pena que constato que este tipo de formação é hoje insuficiente, e muitas vezes substituída por teoria de relevância duvidosa.
Após a formação académica iniciei logo a atividade profissional numa empresa muito antiga da minha família, num sector industrial tradicional e com uma concorrência deveras dinâmica e aguerrida.
Estávamos pouco após o 25 de Abril de 1974, período de enorme instabilidade no qual a gestão tinha que ser feita numa perspectiva de muito curto prazo, uma vez que a realidade mudava quase diariamente. Foram anos difíceis devido à grande oscilação cambial, enorme incerteza ao nível das cobranças e custos financeiros elevados, decorrentes de juros cujas taxas chegaram aos 20%.
Numa empresa com um longo historial, era particularmente desafiante ultrapassar a resistência decorrente de hábitos com dezenas de anos.
O maior contributo para mim desses quase 20 anos, foi o ter-me permitido desenvolver a capacidade de decisão em ambientes de grande incerteza e dificuldade, tentando garantir, simultaneamente, o respeito por todos os colaboradores, fornecedores, clientes e entidades bancárias.
Após a venda da empresa, o apego a estes princípios possibilitou-me manter uma rede de contactos, determinantes para a entrada num novo projeto, agora na área do retalho.
O LVL Group tem sido muitíssimo enriquecedor, uma vez que implica relações com empresas multinacionais, europeias e americanas, com culturas muito diferentes entre si.
O QUE FOI NECESSÁRIO PARA O SUCESSO DO LVL GROUP?
LM: Foi necessário criar uma estrutura de raiz, capaz de responder a todas as exigências. Por vezes existe tendência para desvalorizar a capacidade das empresas e dos profissionais portugueses. No nosso caso somos um dos exemplos de maior sucesso no âmbito dos acordos de franchising das marcas com que trabalhamos. Como reconhecimento da qualidade do nosso trabalho, foi-nos oferecida a possibilidade de entrar em novos mercados, de maior dimensão, como o espanhol, onde já temos mais de 30% do nosso volume de negócios.
É com orgulho que posso afirmar que a nossa imagem junto das marcas tem uma dimensão muito superior à que resulta do tamanho do nosso país. A única forma de ultrapassar esta limitação tem sido garantir a qualidade da nossa operação e, simultaneamente, procurar outros mercados, replicando aí a nossa experiência, o que permite não só ganhar dimensão, mas também poder negocial, essencial para a competitividade da empresa como um todo.
Se numa situação normal esta política é importante, nas atuais circunstâncias trata-se de um aspecto essencial para o sucesso da empresa a médio prazo.
QUAIS ESTÃO A SER OS SEUS DESAFIOS ENQUANTO LÍDER DE UM GRUPO DE SUCESSO?
LM: Quando iniciámos o projeto do agora LVL Group, não era fácil antecipar que, após 16 anos, seria possível alcançar a projeção atual, com presença em toda a Península Ibérica, mais de 50 lojas, cerca de 400 funcionários e, com uma faturação superior a 40.000.000,00 €.
O desafio de começar do zero foi imensamente aliciante pois, ao contrário da minha anterior experiência, foi possível moldar a empresa sem grandes condicionantes prévios. Para o nosso sucesso foi fundamental cada um dos empresários envolvidos ter um percurso profissional distinto. O equilíbrio e qualidade do processo de decisão são muito enriquecidos com a sensibilidade e a experiência de cada um.
O facto de Portugal estar na União Europeia garantiu, desde o início do projeto, uma envolvente económica com alguma estabilidade e, principalmente, previsibilidade. Ao limitar o risco, a tomada de decisões a médio prazo é mais consistente, uma vez que os cenários são mais previsíveis. O risco não desaparece, porém é possível antecipar o resultado expectável de cada investimento, com menor grau de incerteza. O aumento gradual da dimensão da empresa garante a possibilidade de reajustar as decisões, sem fazer perigar a operação como um todo.
O principal desafio para a empresa é garantir uma rentabilidade global adequada, cumprindo todos os compromissos e, respeitando todos aqueles com quem nos relacionamos. Considero fundamental assegurar o cumprimento integral dos acordos com as marcas com as quais trabalhamos garantindo que, em todos os aspetos, a nossa operação não foge às guidelines que nos são fornecidas e aos termos dos contratos assinados.
OS NEGÓCIOS INTERNACIONAIS TÊM ESPECIFICIDADES?
LM: Os negócios internacionais não são, do meu ponto de vista, compatíveis com o improviso e com abordagens de facilitismo comuns em Portugal. Toda a nossa estratégia parte sempre deste pressuposto base.
Só assim foi possível ultrapassar com sucesso o handicap de imagem associado a Portugal: país pouco interessante por ter um mercado pequeno, algo desorganizado e, tendencialmente, pouco cumpridor dos compromissos assumidos.
QUE ESTRATÉGIA MODELOU A REALIDADE ATUAL DO LVL GROUP?
LM: Após alcançar alguma dimensão definimos como objectivo fundamental para o Grupo a diversificação do risco através do aumento do número de marcas e, também, do número de mercados.
Este processo não é linear. É particularmente difícil antecipar a reação dos consumidores a uma nova marca. Para se avaliar a possibilidade de sucesso é necessário garantir que a localização da primeira loja é adequada, que a oferta é suficiente e ajustada ao gosto dos clientes e flexível de modo a ser ajustada à procura efetiva.
Após várias tentativas, o objetivo de diversificar o risco da nossa operação foi alcançado, o que resultou num aumento significativo da resiliência da empresa. Se este aspeto é importante em qualquer situação, na atual conjuntura é absolutamente essencial.
O facto de não estarmos dependentes de apenas uma marca e, também, de operarmos lojas em Portugal e Espanha, foram aspetos essenciais para garantir a flexibilidade que nos permitiu ultrapassar a crise de 2011 e, que nos deixa igualmente melhor preparados para a atual situação decorrente do Covid-19.
O MERCADO EM QUE OPERAM TEM CARACTERÍSTICAS MUITO PRÓPRIAS DE NECESSIDADE DE INOVAÇÃO. FALE-NOS SOBRE ISSO.
LM: Na nossa inovação é liderada pelas marcas que representamos. A nós compete-nos garantir que, as lojas e a forma de trabalhar são alvo de uma atualização constante, a todos os níveis. Perante o enquadramento global fornecido pelas marcas, não podemos ter uma posição passiva, mas sim de adaptação dos procedimentos à realidade dos diversos mercados, procurando as soluções mais adequadas que permitam a melhorar a experiência dos nossos clientes. Tal passa por uma busca permanente de melhoria do serviço prestado aos clientes e também de uma busca permanente de melhores localizações para as lojas.
AS OPERAÇÕES NESTE MERCADO EXIGEM MUITA RAPIDEZ DE DECISÃO ATUAÇÃO. COMO SE ORGANIZAM PARA TAL?
LM: A nossa forma de enfrentar a necessidade de uma forte agilidade, passa por termos uma estrutura muito flexível, em que as tarefas são distribuídas de forma dinâmica entre todos os membros da equipa.
Trabalharmos com empresas em distintos fusos horários dificulta a necessária rapidez de resposta pois, frequentemente, as solicitações surgem fora do horário normal de trabalho, com prazos muito curtos para a respetiva execução. Por este motivo, o teletrabalho é algo a que já estávamos habituados.
Outro desafio importante resulta do facto de as nossas lojas estarem abertas praticamente todos os dias do ano, com horários que vão das as 6 da manhã até à meia noite, surgindo por vezes problemas que necessitam de uma resposta quase imediata.
COMO ESTÃO A ENFRENTAR ESTE PERÍODO DE PANDEMIA?
LM: Nenhuma empresa estava preparada para o atual panorama. O aspeto mais importante para resistir ao primeiro impacto da pandemia é, sem dúvida, ter uma situação robusta do ponto de vista financeiro, para além de um projeto rentável com o apoio de marcas fortes e consolidadas junto dos consumidores.
Os apoios do Estado, embora importantes, serão sempre pontuais e limitados, atendendo à presente situação de sobre-endividamento em que o mesmo se encontra. Estando a dívida pública num valor recorde, sendo a despesa pública cada ano mais elevada e com características de extrema rigidez, não é prudente ter grandes expectativas quanto ao papel do Estado. Por isso, é indispensável planear, com base num contexto de significativa austeridade no setor privado, o qual terá de suportar todos os custos desta situação que seguramente se irá prolongar por vários anos.
Chegou o momento de decisões difíceis pois, a nova realidade impacta na rentabilidade de cada uma das unidades comerciais, tendo que ser tomadas medidas para limitar as situações de eventuais prejuízos, garantindo a viabilidade das unidades cuja exploração permanece positiva.
A legislação laboral em Portugal é extremamente limitativa e condiciona, frequentemente, a tomada de decisões racionais de reorganização da nossa estrutura comercial. É chocante comparar esta situação com a de Espanha, a qual é mais favorável quer para os trabalhadores quer para as empresas, permitindo uma gestão dos recursos humanos em função do mérito. Em Portugal, muitas vezes é impossível seguir um critério racional devido à rigidez da legislação laboral e ao péssimo funcionamento dos tribunais.
Outra questão negativa em Portugal é a instabilidade da legislação fiscal, acompanhada do aumento significativo do peso dos impostos nos últimos anos. Este aspeto, limita a rentabilidade das empresas e obriga os salários a manterem um nível baixo, uma vez que o Estado absorve uma parte muito significativa dos recursos gerados pela economia, sem garantir em troca a qualidade dos serviços públicos a que todos deveríamos ter direito.
Por último, a regulamentação que condiciona a nossa atividade é, em muitos casos, impossível de aplicar na prática, mostrando ter sido criada por pessoas que nunca tiveram contacto com a realidade empresarial.
COMO AVALIA A ATUAL ATUAÇÃO DOS CENTROS COMERCIAIS?
LM: Os proprietários dos Centros Comerciais, com algumas e raras exceções, mostram pouca ou nenhuma intenção de colaborar numa partilha dos custos decorrentes da pandemia, escudando-se nos contratos leoninos que regulam os alugueres dos espaços comerciais.
Resumindo, as empresas vão viver num ambiente extremamente agreste nos próximos anos, caracterizado por baixa do poder de compra com impacto direto no consumo, aumento dos impostos e turismo limitado.
Nestas circunstâncias nem todas as empresas sobreviverão e, por esse motivo, é necessário estar-se extremamente atento, por forma a tomar todas as medidas necessárias de ajustamento em tempo útil.
COMO CARACTERIZA O MERCADO PORTUGUÊS NA VOSSA ÁREA, COMPARATIVAMENTE COM O DE ESPANHA?
LM: O mercado espanhol é muito distinto do português, não tanto pelas preferências dos consumidores, mas mais pela envolvente legal e económica.
Os impostos diretos e indiretos suportados pelas empresas são substancialmente mais baixos em Espanha. Seria mais rentável pagarmos em Portugal os salários praticados em Espanha, se existisse em Portugal o mesmo nível de impostos.
QUE INSTRUMENTOS UTILIZA PARA SE MANTER ATUALIZADO?
LM: O primeiro e mais importante é o contacto profissional com empresas com características muito diferentes da nossa o que, por si só, possibilita uma aprendizagem constante. O modelo americano, que privilegia o espírito de grupo entre os diversos franchisados, é uma fonte de extrema importância. Ao potenciar a partilha de experiências, origina um enriquecimento mútuo.
A leitura da imprensa especializada e de publicações da área económica são um auxiliar determinante.
QUE VALORES QUER PASSAR AOS SEUS FILHOS?
LM: Os valores mais importantes são a seriedade e o respeito por todos aqueles com quem nos relacionamos. Mais do que ensinados, estes valores transmitem-se pelo exemplo, o que cria um elevado grau de exigência na minha vida, que considero essencial.
A preparação das gerações mais novas para o futuro passa também pela criação de condições que os preparem para trabalhar num mundo global. Sem esquecer as origens, e em face das oportunidades, é necessário pensar para lá das nossas fronteiras.
QUE CARACTERÍSTICAS APRECIA NUM PROFISSIONAL DE EXCELÊNCIA?
LM: Dedicação, Lealdade e Competência. Uma empresa só sobrevive e tem sucesso, quando contar com colaboradores com estas características, os quais devem ser remunerados em conformidade e alvo de um merecido reconhecimento e respeito por parte da gestão de topo.
QUAIS SÃO AS SUAS FONTES DE AUTO MOTIVAÇÃO E DE INSPIRAÇÃO?
LM: O gosto por aquilo que faço é a minha principal motivação para continuar a tentar fazer mais e melhor. Quando chegar o momento de passar o testemunho, quero ter a certeza de que todo o meu esforço e empenho contribuíram para uma melhor vida de todos aqueles que comigo trabalharam.