Susana Arié – Administradora do Grupo Perfumes & Companhia
Nunca desistir, exigência, inconformismo na procura da melhoria contínua, relação muito estreita com as pessoas das lojas, paixão pelas marcas e gosto pela área comercial fazem parte do ADN de Susana Arié, Administradora do Grupo Perfumes & Companhia, cocriadora e grande promotora do modelo exclusivo de venda desta cadeia de lojas portuguesa.
Quem é a Susana Arié?
SA: Sou casada, tenho 2 filhos e 2 netos. Tenho 52 anos e há 30 anos que trabalho ligada à Distribuição de Cosmética e Perfumaria e ao retalho em Perfumaria.
Cheguei a este meio por razões familiares, ou seja, por me ter casado com um membro da família Arié, proprietária do Grupo Arié, que distribui marcas de prestígio e de renome internacional nos mercados de Perfumaria, Cosmética Seletiva e Moda. Após o curso de Psicologia, com 22 anos, comecei a trabalhar no Grupo Arié, como formadora no lançamento da marca Shiseido, pois considerou-se que seria interessante juntar formação técnica e comportamental.
Rapidamente comecei a assumir outros papéis, sobretudo na área comercial, talvez pelo gosto que tenho por números. Daí para a frente passei por várias áreas como a formação e marketing. Em 2007 assumi o papel de Diretora – Brand Manager.
A partir de 2015, ano em que o Grupo Arié adquiriu a cadeia de Perfumarias Perfumes & Companhia assumi o cargo de Direção de RH e Formação. Em 2017 recrutámos um Diretor de RH e eu dediquei-me às marcas exclusivas, onde aplico a experiência adquirida na Roudolph Arié com a marca Shiseido. Porém, continuo com a responsabilidade da formação, sobretudo no que toca às lojas.
Em suma, os negócios da família acabaram por ditar o que seria o meu futuro profissional.
Como caracteriza a postura do Grupo Arié na aquisição da Perfumes & Companhia?
SA: Este foi, e é, um grande projeto para a nossa família, em que cada um de nós assumiu uma área para podermos mergulhar nela e aprender com as pessoas que lá estavam, a cultura, a história e a experiência acumulada, para que, partindo dessa riqueza pudéssemos construir o negócio que pretendíamos.
Quisemos beber do que existia sem quebrar o ADN do negócio que existia e que era rentável, ainda que diferente do que nós eramos. Essa tem sido sempre uma postura do Grupo Arié: tentar aprender com a cultura de cada negócio e não tentar impor a nossa cultura como uma verdade absoluta. O resultado é, normalmente, a junção do melhor das duas coisas, ou seja, do que já existe com a forma de nós próprios estarmos nos negócios, mas também na vida. Isto é importante porque, na realidade, não somos diferentes em casa e nas organizações.
E qual foi a primeira perceção do que observaram?
SA: Percebemos rapidamente que havia muita coisa que podíamos melhorar na organização e na qualidade das equipas e começámos a tentar juntar “camadas” que pudessem melhorar e agilizar o processo da P&C.
Sempre achámos que o lado comportamental podia fazer toda a diferença.
Queríamos ser os melhores em retalho e fazia sentido criar um modelo de vendas e uma identidade de vendas que fosse nossa, a par de um sentido de pertença para um projeto comum e uma construção com toda a gente, para alcançarmos um objetivo muito bem definido: sermos reconhecidos como um atendimento de qualidade que gerasse vontade de voltar e que, do ponto de vista comercial aumentasse o negócio (ex. nº de unidades e valor por talão). Indicadores mais objetivos e mais subjetivos.
E quanto à área comercial?
SA: Desde o início que, não sendo formalmente a minha área, tenho um papel ativo na definição dos objetivos das lojas e das equipas, o que me permite ter um pé na área comercial, o que tem a ver com o meu gosto e o meu histórico. Este sempre foi um lado de que gostei e que me puxou um bocadinho.
O que mais a atrai na área comercial?
SA: A possibilidade que se tem de, pela área comercial, conseguir pilotar e orientar equipas para um resultado e objetivo da empresa. Não encaro a área comercial apenas como a função de trabalhar números, quadros, etc., mas sim como uma forma de usar objetivos para orientar as equipas para o melhor caminho para o resultado global da empresa. Trata-se de um trabalho loja a loja, componente a componente, pensando o que está a acontecer em cada equipa, em cada loja, naquela pessoa que é a vendedora que tem grande relação com os clientes e está de baixa, etc. Humanizar os números é o que me dá mais gozo!
Juntar isto com outros programas na área do comportamento humano e ter uma visão global do que pode ajudar a performance de uma equipa num ponto de venda. Ao fim destes 6 anos na P&C é excelente poder estar a olhar para um número, ou uma loja e pensar em pessoas e em como vão contribuir para os objetivos. E trabalhar com toda a equipa comercial, formação, marketing e todas as outras áreas da empresa para os atingir.
Este meu lado tem muito a ver com a nossa cultura, a aprendizagem que recebi, as pessoas com quem cresci e com quem trabalhei desde os 22 anos, idade em que mergulhei diretamente no negócio de família. Aprendi sobretudo muito com o meu cunhado Charles Arié. Com ele fiz as primeiras visitas a loja, contactos comerciais, etc. Agora também trabalho diretamente com ele, sendo ele o grande motor para a perspetiva humanizada da empresa. Não se trata de uma característica minha, mas sim da Organização, com a qual me identifico. Isso fez toda a diferença em quem sou hoje.
Absorvi essa cultura do Charles e do René, e eles absorveram dos pais deles. Trata-se de uma cultura que passa de geração em geração e temos esperança que os nossos filhos também a absorvam.
Que desafios enfrenta como líder?
SA: Ser parte da família proprietária da empresa tem coisas excelentes e outras difíceis. Enquanto líder, a coisa mais importante e o que mais tenho que cuidar é ser exemplo.
A visão que as pessoas têm de um membro da família que lidera, é de grande exigência. Elas acham que há uma espécie de conhecimento e experiência que quase devia passar geneticamente dentro da família. Por isso, há pouca tolerância relativamente a um novo membro da família que faça algo diferente em relação ao que outro anteriormente fazia. Há a expetativa de uma certa continuidade, de consistência num determinado tipo de valores, de comportamento, de forma de decidir…
Por isso, se em algumas coisas o facto de ser membro da família me pode ter privilegiado, em muitas alturas tive que provar que estava à altura, não por ser a mulher do dono da empresa, mas porque entregava o trabalho com a qualidade esperada para aquele lugar. No início da minha carreira isso foi muito visível, porque ninguém tinha ainda feito o trabalho de formação para as lojas que eu estava a fazer. As pessoas não percebiam bem qual era o meu papel e talvez isso tenha sido importante para eu começar a fazer outras coisas dentro da empresa e a provar que conseguia.
Tem que provar na Organização e na família…
SA: Senão podemos falhar com a Organização, então com a família é que não podemos mesmo falhar. Somos todos muito expectantes e exigentes uns em relação aos outros. A meritocracia dentro da nossa família é muito importante. Quando foi preciso levar uma boa reprimenda levei e isso ajudou-me a crescer e a melhorar. Hoje trabalho com a minha filha e sou muito exigente com ela, tal como foram comigo. Sermos críticos de nós próprios enquanto família e puxarmos uns pelos outros é muito importante. Acredito que a Organização sente a exigência dentro da nossa família.
E como se posiciona?
SA: A minha posição é um pouco diferente porque a Organização me vê como proprietária, mas na realidade reporto aos proprietários da empresa, como qualquer pessoa, com a diferença que eles fazem menos cerimónia comigo.
Já todos tivemos momentos de grande êxtase profissional e momentos mais duros. Já passei pelos dois: momentos de euforia e outros em que me foi mais custoso vir trabalhar. Porém, pensar que o meu papel é proteger, defender e construir aquilo que vai ficar para gerações futuras, foi o que me fez pensar na sorte que tenho de estar nesta empresa e fazer coisas que gosto num ambiente espetacular. Esta conversa comigo própria fez-me ver que qualquer problema não tem comparação com a grandeza daquilo em que estou envolvida. Temos uma estrutura familiar sólida e estruturante do que fazemos, como fazemos e de como enfrentamos as dificuldades.
O que valoriza mais num profissional?
SA: Valorizo o compromisso, a vontade fazer bem, de olhar para as coisas não pela perspetiva individual, mas pelo bem comum, pelo que é o melhor resultado para o grupo para a empresa. Pessoas que só olham para a sua função deixam-me com os cabelos em pé.
Pessoas que têm uma visão global e que conseguem juntar genialidade com humildade, são as que mais valorizo.
Como viveram o impacto da pandemia?
SA: A chegada do Covid representou um período de grande insegurança porque tivemos que fechar todas as lojas. Era preciso pensar como iríamos continuar com 1000 pessoas, 1000 famílias. Recorremos aos mecanismos de layoff e ficámos com um grupo reduzido de pessoas a trabalhar porque a incerteza era total. Nalguns departamentos reduzimos mais horas de trabalho do que outros, mas houve pessoas que trabalharam intensamente para que conseguíssemos pôr as vendas à distância e o website a funcionar. Durante 7 dias alucinantes trabalhámos 24h sobre 24h, e não forçosamente nas nossas áreas. Todos foram ajudar nas áreas mais importantes. O marketing dedicou-se totalmente ao digital. A formação também.
O sentido de urgência era tão grande que as pessoas renasceram e reconverteram-se das lojas para o armazém. Estávamos a falar da sobrevivência da empresa!
Na altura a maior parte das coisas que fizemos foi com o sentido de sobrevivência e não de renovação. Em muitos desses momentos, enquanto família, questionávamo-nos sobre como não frustrar as expetativas das pessoas. Numa Organização há um compromisso nos dois sentidos, que complementa a relação.
O Covid trouxe situações pessoais muito difíceis e a capacidade que as equipas tiveram de ultrapassar a relação profissional para serem o suporte umas das outras, nalguns casos alertando-nos para uma ou outra situação mais complicada, fez com que a palavra família se estendesse a toda a Organização.
Que crescimento tiveram as vossas vendas online?
SA: Numa semana passámos para 500 vezes mais encomendas online e percebemos que não iriamos conseguir expedir com qualidade e em tempo útil. Tivemos que pensar como é que, à escala que tínhamos, conseguiríamos responder.
Retirámos do site referências a entregas express que não conseguíamos cumprir (tanto por nós, como pelos nossos parceiros de entregas). Porém, percebemos que tínhamos uma vantagem única: termos lojas de rua, as quais podíamos transformar em centros de expedição. Criámos 15 centros de expedição, resolvendo o problema das entregas. Isso implicou desenvolvimento informático…
Que outras estratégias adotou a P&C para responder à pandemia?
SA: Assim que surgiu o primeiro confinamento criámos um novo canal de vendas pelo telefone, desenhando scripts e tentando adaptar o nosso modelo exclusivo de venda – MAGIA – à venda telefónica.
Melhorámos os processos de venda online, criámos chats de conversação e uma linha de contacto com o cliente, desenvolvemos sistemas de inteligência artificial para resposta automática a questões que se repetem no online.
Reforçámos a presença nas redes sociais e o site, sempre com ajuda de profissionais, no sentido de gerar visibilidade e vendas orgânicas.
Fizemos um corte grande na formação em geral, mas o Programa MAGIA (área comercial), continuou a assumir uma parte importante.
Montámos rapidamente uma plataforma de formação online, em conjunto com empresas de conteúdos e com as marcas (com as quais fomos muito exigentes).
Equipámos informaticamente as lojas para as equipas usufruírem da formação no novo formato online, já que queremos ser a referência no aconselhamento em perfumaria e cosmética.
Quando reabrimos as lojas reforçámos a formação comportamental e relançámos todos os programas anteriores ao Covid. Atualmente chegamos a mais pontos de venda, a mais pessoas, temos mais horas de formação e estamos convictos de que a situação da pandemia nos ajudou a melhorar muitos processos na empresa.
Que balanço faz?
SA: Após 1 ano e 9 meses do início da pandemia somos muito diferentes do que éramos em março de 2020. Hoje somos mais eficazes em muita coisa porque a perda de vendas nos obrigou a ter uma visão muito crítica do que era o nosso negócio, da forma como gastávamos os nossos orçamentos, do que fazia a diferença para gerar, ou não, vendas e fidelidade. Gerar fidelidade não quer dizer vendas imediatas.
O passo seguinte à reação para a sobrevivência é que teve a ver com renovação e com catapultar a inovação. Resolvida a urgência pegámos nas ferramentas que construímos numa semana (vendas à distância com equipas escaladas, telefones, computadores a mais nas lojas, telemóveis distribuídos, call centres em Lisboa e Porto, alterações no site, formação online, etc.), e pensámos como fariam sentido no futuro.
A partir daí, sim, desenhámos as ferramentas sólidas que hoje utilizamos e que já não são as que usámos uma semana depois de encerrarmos. Muitas coisas que criámos devido ao Covid fazem hoje parte do que entregamos aos clientes, como por exemplo o nosso website que funciona muito melhor porque continuamos com os 15 centros de expedição a nível nacional.
Hoje entregamos ao consumidor final um produto com muito mais carinho dentro, mais bem embalado, mais perfumado, porque é feito por pessoas que sabem o que estão a fazer.
Que atitudes foram mais importantes?
SA: “Não deitar a toalha ao chão”, a exigência e o inconformismo, no sentido de estarmos sempre à procura da melhoria, bem como a relação muito próxima com as pessoas das lojas, têm muito a ver com o nosso ADN. Todos nós, desde o Diretor Geral, o qual passa mais de metade da semana a visitar lojas e a trazer feedback para dentro da estrutura, até aos Diretores Comercial e de Marketing, ao comprador e a mim própria, todos temos um contacto muito próximo com o ponto de venda. Isso ajuda-nos a perceber que a mudança é constante. O consumidor está sempre a mudar. Estes ciclos de feedback que existem, e aos quais damos muita importância, são um grande motor da P&C.
O que é para si um bom atendimento?
SA: É um atendimento inesquecível, em que o cliente sai com uma memória boa do momento que viveu na nossa perfumaria. Está longe de ser uma venda de alto valor financeiro. Para nós o maior valor de um cliente é ele querer voltar, independentemente do valor que despende. Temos uma grande diversidade de preços, pelo que a fidelidade não pode ser aferida pelo valor despendido.
A par do cliente sair feliz, também é fundamental que o nosso Conselheiro Pessoal de Beleza (CPB) sinta que cumpriu a sua missão com o cliente, que deu o seu melhor e que isso se repercutiu na sua realização.
A venda de perfumaria tem uma grande componente técnica e comportamental. Muita gente entra à procura de bem-estar, porque aplicar um creme ou um perfume as faz sentirem-se melhor. Há muito de psicologia. A responsabilidade das nossas equipas é enorme porque têm que responder às expetativas em termos de resultado do produto ou serviço, e porque o objeto no qual os nossos produtos são aplicados é a pele, o maior orgão do corpo. Estamos também a falar de saúde.
São milhares de produtos de vários eixos. É enorme o investimento que um CPB fez, antes de começar a atender!!! Eles têm um mérito enorme e é por isso que tentamos dar-lhes o máximo possível de ferramentas e meios. Ouvimos muitas vezes as equipas elogiarem que, dentro da nossa Organização, têm um nível e tempo dedicado à formação muito maiores do que em grande parte dos nossos concorrentes.
É preciso ter paixão e gosto por servir…
SA: Paixão é das coisas que mais valorizo. Quando dou formação de algumas marcas tenho muito cuidado de transmitir a minha paixão pela marca, pela história. Essa é uma das características que as pessoas mais reconhecem em mim. Dou o exemplo porque, quando se conta uma história com paixão a um cliente faz toda a diferença.
Já algum vendedor lhe proporcionou um experiência inesquecível?
SA: Sim, não me esqueço de uma sapataria no Brasil. Vi umas sandálias beges na montra. Entrei e pedi-as à vendedora. Quando ela voltou trazia 3 caixas e disse-me: “Da cor das sandálias que me pediu trouxe-lhe estas; do modelo que me pediu trouxe-lhe estas; e como me pediu aquelas sandálias achei que também poderia gostar deste terceiro par”.
Na realidade, ela não trouxe as sandálias que eu lhe tinha pedido. Entregou-me as sandálias que eu tinha pedido em preto; em bege outro modelo diferente que tinha algo a ver com o outro; e outro completamente diferente, mas que complementava os primeiros. Na verdade, achei deliciosa a maneira como ela me disse que não tinha, nunca me dizendo que não tinha. Trouxe-me opções que resolviam perfeitamente o que eu queria. Por isso, acabei a comprar os 3 pares! O meu marido que estava presente também ficou maravilhado com a capacidade que a vendedora teve de apresentar os produtos e ambos reconhecemos que ela merecia.
Que influência tem o MAGIA na interação com o cliente e nas equipas de loja?
SA: O MAGIA mudou a atitude do vendedor face ao cliente e face à venda.
Com o Magia (o nosso modelo exclusivo de vendas) queríamos que o serviço prestado fosse considerado inesquecível, uma referência no retalho de perfumaria, para isso precisávamos trabalhar com as equipas a vergonha e um certo medo na interação com o cliente, o receio que o cliente interpretasse mal essa interação. A desmitificação da interação com o cliente e o reposicionamento do cliente como pessoa que tem sentimentos, emoções e que gosta tanto de rir quanto elas, fez e faz toda a diferença na venda! Mas sobretudo o que ninguém podia imaginar, no momento em que criámos o MAGIA era o impacto que aquele flow de vendas iria ter nas equipas e na cultura que se criou nas equipas.
O Magia é hoje uma cola entre as pessoas dentro da equipa e dentro da organização, assim podemos dizer que este nosso método exclusivo de venda também ajuda a reter as pessoas na nossa Organização.