Por: José António Rousseau
Desta vez não consigo deixar de escrever sobre o que aconteceu no dia 13 de maio de 2017. Não, não irei falar na visita do papa Francisco a Fátima, aquele que é hoje o maior líder espiritual da humanidade e exemplo, nas palavras e nos atos, para homens e mulheres de todos os credos e nacionalidades. Não, também não irei falar na conquista do tetra-campeonato de futebol pelo Sport Lisboa e Benfica, contra tudo e contra todos, naquela que foi a vitória da humildade, da força de vontade, da regularidade e, naturalmente, da melhor qualidade futebolística.
Não, por mais importantes que os acontecimentos referidos tenham sido, considero que ainda mais importante, pela surpresa e pela dimensão mundial do acontecimento, foi a vitória do português Salvador no concurso da Eurovisão.
Foi a vitória da sensibilidade, do desapego, da simplicidade, da humildade, do despojamento, da inocência. Salvador, totalmente só, no palco, fez a Europa transbordar de emoção, de sentimento, de amor puro e simples. Não usou artifícios, entoações maliciosas, encenações espúrias, danças exóticas, mamas, saltos altos, patilhas ou barbas andróginas, Salvador foi apenas ele próprio, magro, magríssimo, estilo desalinhado e fato acima do tamanho, barba rala, cabelo escorrido, despido de artefactos inúteis, nada de fintas ou truques. No palco mais pequeno, Salvador foi enorme, encantou sem vozes duplas ou coros de vozes extra, sem macacos, ciganas, manequins, vampes, decotes exuberantes ou vestidos sedutores e atrevidos, risos fáceis, bailarinos corpos de ginásio, gritos ensurdecedores e dós de peito, vento nos cabelos longos e nas saias curtas. Salvador, sem fogos-fátuos ou artifícios, chamas ou cascatas de fagulhas, fechou os olhos e começou a cantar uma melodia que nos encharcou de beleza, nos emocionou até às lágrimas e a todos seduziu, entrando por dentro dos milhões de pessoas que estavam a assistir, sem pedir desculpa ou licença.
Esta vitória não foi milagre de 13 de maio nem Salvador será o salvador da Pátria mas foi uma pedrada no charco deste festival europeu, uma autêntica lição de simplicidade e bom gosto musical que culminou nas suas palavras de vitória, com as quais corajosamente criticou a pirotecnia musical em que, nos últimos anos, se tinha transformado este concurso europeu de vaidades, desculpem, de canções.
Mas Portugal, para além de estar a atravessar um período feliz de sucessos internacionais, também a nível interno começa a apresentar resultados que há uns tempos atrás seriam considerados irrealistas ou impossíveis. Senão vejamos: Os Indicadores de Confiança da Construção, da Indústria, dos Serviços e dos Consumidores aumentaram todos, tendo o dos Consumidores atingido o seu valor mais elevado dos últimos vinte anos; o país atingiu em 2016 o maior excedente estrutural primário da Europa; o desemprego baixou a fasquia dos 10%; os juros da dívida reduziram-se para 3,5%; a estimativa de crescimento económico para 2017 é de 2,8%, acima da média europeia.
“Quando a fartura é muita o pobre desconfia” diz a sabedoria popular. Esperemos que tal não aconteça desta vez, pois se é verdade que o Salvador na Europa chegou, cantou e venceu, Portugal há muito que à Europa já chegou, trabalhou mas ainda não venceu. Pode ser que seja desta. Assim seja!