Por: Ricardo Ferreira – Osiris – Head of Incoming & M.I.C.E.FOTOS: Walter Branco
A evolução do número de turistas estrangeiros em Portugal cresceu significativamente nos últimos anos, beneficiando do incremento das rotas áreas, do reforço da marca Portugal e da perceção da mesma em mercados alvo, resultado ainda da instabilidade política e aumento da insegurança em outros destinos que competem diretamente com Portugal em segmentos específicos (caso da Tunísia, Turquia, etc…), perceção do excelente binómio qualidade preço dos serviços em Portugal, amabilidade e hospitalidade portuguesa, etc.
O aumento do fluxo é positivo em termos de emprego e produto nacional e resultou de diferentes segmentos de turismo, e de uma salutar diversificação do produto. No entanto passou a existir uma enorme pressão sobre as principais cidades de atração (destaque para Lisboa e o Porto), com impacto direto na vida das populações locais.
Face ao exposto, ficou em voga a questão “Teremos turistas a mais?”. Desde cedo retorqui que a questão não deveria ser colocada desta forma, sugerindo que deveríamos antes questionar: Que alterações de gestão da cidade foram introduzidas face ao aumento do fluxo de pessoas (impulsionado fortemente pelos turistas) e com impacto vincado no dia-a-dia das cidades? Por outro lado, numa ótica de médio prazo dever-se-ia refletir sobre o posicionamento que Portugal deve adotar em termos de Turismo. Tal como acontece no mercado do vinho, uma vez que Portugal nunca conseguirá níveis de produção elevados, deverá então competir em qualidade.
Cingindo-me à questão “Que alterações existiram na gestão das cidades e se as mesmas serão suficientes?”, de forma pragmática diria que as mesmas foram poucas e são insuficientes.
Comecemos por enunciar alguns impactos do aumento do turismo em Lisboa:
1. Aumento do fluxo de transporte no seio das cidades, quer para deslocações de passeiros/bagagens, quer para transporte de passageiros/bagagens, quer para promoção de visitas culturais e para reforço da logística resultante do aumento do consumo na restauração, supermercados, etc;
2. A proliferação do “Alojamento Local”, permitiu uma maior dispersão do alojamento em toda a cidade, deixando de existir primazia de concentração em hotéis;
3. O traçado sinuoso e estreito de grande parte dos locais históricos, mediante o aumento do fluxo citado despoletou o estrangulamento de muitas vias mediante a grande dificuldade em acomodar a coexistência de tantos veículos em circulação ou em atividades de suporte ao dia-a-dia da cidade;
4. O aumento dos turistas obrigou a um reforço das atividades de logística e manutenção, nomeadamente recolha de lixos, limpeza de vias públicas, manutenção da infraestrutura mediante a maior pressão de degradação, etc;
5. Registou-se um salutar aumento das atividades de lazer, culturais e desportivas da cidade (muitas vezes obrigando ao encerramento de vias), situação que impulsiona ainda mais constrangimento ao dia-a-dia e resulta na quebra das rotinas diárias de tráfego, contribuindo para aumento da pressão.
Paralelamente, foi levado a cabo um ambicioso plano de restruturação da cidade, com o intuito de resolver problemas crónicos em locais específicos de Lisboa, promoção de ciclovias, maior cobertura de zonas verdes, reforço do estacionamento organizado, etc.
De notar que o período dos trabalhos foi caótico, mas não me irei debruçar aqui sobre esse aspeto.
O trânsito em Lisboa sofre uma pressão permanente ao longo de todo o ano, com os meses de inverno a serem especialmente complicados, uma vez que a maior propensão para acidentes não é acompanhada de redução da atividade económica.
Na primavera e no outono acresce o aumento do turismo e dos grandes eventos corporate internacionais, com grande número de participantes.
Assim, durante o ano, Lisboa tem de acomodar 3 “grupos” com exigências próprias, que a seguir menciono, as quais deveriam ser contempladas pelas políticas de gestão da cidade.
1. Grupo #1: RESIDENTES E TRABALHADORES:
com uma dinâmica regular ao longo do ano, com exceção de datas chave devidamente identificadas, provocam grande pressão na circulação nas chamadas “horas de ponta” (início da manhã e a partir do meio da tarde).
2. Grupo # 2: LOGÍSTICA EM SENTIDO LATO:
a importância desta atividade ser feita idealmente durante a noite ou em períodos de menor densidade de circulação é pouco respeitada, criando constrangimentos acrescidos.
3. Grupo # 3: TURISTAS:
neste grupo coabitam diversos perfis, desde grupos organizados a turistas individuais com motivações e dinâmicas próprias.
Apesar da sua circulação poder coincidir com os momentos de maior pressão do grupo #1, os grupos de turismo tendem a colocar maior pressão de circulação numa fase matinal posterior à do grupo #1.
Algumas vias poderiam ficar excluídas a algum tipo de veículos de turismo e outras ficarem dedicadas em exclusivo para os mesmos, podendo coexistir, em vias distintas, interesses e motivações de circulação díspares;
Outro aspeto prende-se com o estacionamento. Tendo o mesmo sido já objeto de um salutar reforço do controlo, descorou-se um detalhe fundamental: os locais de paragem para carga e descarga são escassos. Seria premente reforçá-los, e assegurar a sua regular cadência na cidade para permitir as atividades de logística e a entrada e saída de passageiros e bagagens. Evitar-se-iam, assim, as paragens em segunda fila, ou mesmo a interrupção de vias estreitas. Os locais seriam exclusivos para o efeito e a má utilização deveria ser altamente punida.
Poder-se-ia ainda abordar outras questões com impacto no tráfego e circulação na cidade, nomeadamente a grande concentração de alojamento local em zonas específicas da cidade, entre outras. Não se tratando de um trabalho académico, a presente crónica tem como objetivo promover uma reflexão ativa que vise melhorar o turismo em Portugal, o dia-a-dia das populações e dos negócios.

