João Corga – O homem que nasceu três vezes
Com responsabilidades de topo numa empresa que tem vindo a crescer acima de 20% ao ano, João Corga conta como passou de mau aluno ao quadro de honra das notas a nível
nacional e de uma formação ligada às artes para o mundo empresarial. Começa no entantopor explicar por que é que não nasceu apenas uma vez.
João Corga, chief executive officer (CEO) da Lufthafen Brands Group (LBG), nasceu três vezes. «Ao contrário dos comuns», diz. Nasceu em 1968, em Coimbra,
«terra de tudo e de nada», onde já não vive há mais de duas décadas, numa opção que muito lhe custou mas de que não se arrepende. Depois voltou a nascer
no Porto, «numa altura de abundância em que até estragar era permitido», quando «tinha o Futebol Clube do Porto, a Avenida da Boavista, o Bibóporto, o aeroporto,
a Exponor e a C. Santos», e quando «aprendeu outra língua». E finalmente nasceu em Lisboa, onde acordou para uma nova realidade. «Despertei para a vivência de uma capital onde aprendi à força, onde fiz grandes negócios e perdi excelentes oportunidades.»
As duas grandes mudanças que protagonizou devem-se ao trabalho e também ao amor, neste caso logo a primeira dessas mudanças. «A minha mulher é do Porto, e optámos por viver aí. Aliás, a minha paixão pelas gentes do norte já era dos tempos do namoro.
Vivo numa aldeia onde se mantêm as tradições e mesmo ao lado da igreja da freguesia, em dias de festa, o sino toca com alegria e faz tanto barulho que só dá vontade de fugir.»
Com uma infância «mais ou menos feliz», João Corga fala dos «pais excelentes» e de ser «uma criança triste que vivia num mundo de sonhos distantes da realidade ». Ouvia os adultos, com assuntos que lhe faziam espécie. Achava que complicavam tudo e temia ter de enfrentar uma realidade com a qual não concordava.
«Desenvolvi um sentimento de insatisfação. Andava sozinho a pensar e a criar personagens. Pensar em cenários alternativos e ver filmes de cowboys. Nunca fui habituado a larguezas e a regra foi sempre uma orientação básica que o meu pai me passou», recorda. Andou na escola pública e também num colégio, e neste chegou a ter uma paixão pela educadora. «Chorava com saudades dela», diz.
Criado com os mais três irmãos – Teresinha, Nuno e Ricardo –, «num ambiente são e de grande respeito pela família e pelas tradições», João Corga conta que a irmã, mais velha, organizava brincadeiras sofisticadas, que incluíam confeitarias e mercearias, por exemplo. «E mais tarde era ela o veículo que levava para casa as novidades, as modas, as bandas e tudo o que fosse de interesse na altura. Já o meu irmão Nuno partilhava comigo a velocidade nas bicicletas e os walkies talkies, e juntos artilhávamos os carrinhos e brincávamos com os slots em pistas rudimentares, o que era uma maravilha. O meu irmão Ricardo, mais novo, era policiado por nós, porque havia uma diferença de idades muito grande – eu e ele temos 10 anos de diferença, e hoje ele é o meu chefe.»
João Corga vê o irmão mais novo como «um grande empreendedor, um criativo ímpar e um ser humano muito peculiar», alguém que ainda brinca consigo todos os dias, só que agora é às empresas e aos negócios.
Acha que deve muito aos irmãos, na mesma proporção que deve aos pais. «Devo a felicidade de ter uma família unida e cheia de valores. De quando em vez, turramos; mas é saudável porque somos todos diferentes mas temos o mesmo denominador: o pai António João e a mãe Maria de Lurdes.»
Encontros para a mudança «Fui um adolescente típico, até que encontrei o amor da minha vida», recorda João Corga. Triste e muito melancólico, via então a vida como se fosse uma condenação.
«Uma sensação pesada» – partilha –, «fortificada por um desempenho escolar muito abaixo da média, porque eu próprio andava à procura de comprimento de onda para sintonizar a minha cabeça e o meu pensamento. Nestas idades acontecem factos que deixam marcas profundas que só com o tempo desaparecem. Muitas vezes questionava-me… Por que é que não sou bom aluno? Mas vamos mudando, crescendo e aprendendo com a vida…» Conheceu então uma professora que o ajudou a ver as coisas de maneira diferente. «Muito culta, com ar austero, de olhos pequenos e azuis mas com uma profundidade de pensamento e uma maneira peculiar de transmitir o conhecimento. Já tinha filhos da minha idade e era temida pela exigência do saber, pelo rigor do trabalho e pelo desempenho a que obrigava.» Mesmo assim não pediu aos pais para mudar. Ficou, e aquela professora passou-lhe uma mensagem tão importante que hoje – confessa – lhe deve uma grande mudança:
«Ganhei o interesse em ser melhor e a atitude de desafiar a vida antes que a vida me desafie.»
Foi nesse período que começou a namorar com a mulher com quem haveria de casar, Cristina, de quem tem dois filhos, Francisca, de 11 anos, e João, de seis. «Foi um acordar para a mudança, para a vida. Comecei a ver o azul do céu, a perceber que
o sol também tinha nascido para mim e que seria eu o agente da minha vida, à qual teria de dar um rumo. A partir daí, tudo é primavera. Começam as coisas a correr bem, até que um dia mudarão. Ciclos de vida…»
Mas nas aulas, naqueles anos da adolescência, as coisas não iam pelo melhor para João Corga. «Só queria brincadeira», conta, explicando tudo como uma tentativa de fugir à realidade, de negar a existência de um mundo ao avesso sem nada a ver com os bonecos e as histórias aos quadradinhos. «Era um baldas. Mas não tinha só coisas más, chegava a cinco em Religião e Moral. E em Artes Visuais era topo. Adorava a parte plástica da arte. Entretanto, houve uma outra pessoa que me mudou profundamente, uma professora chamada Gracinda Pechincha. Fez-me ver a vida de outra maneira e pensar fora da caixa. De besta passei a bestial e consegui ser um dos melhores alunos a nível nacional. Queria ser psicólogo – podia ter-me dado para pior – ou educador de infância – menos mal –,mas lá fui para as artes, para o design. E já crescidinho e com responsabilidades fiz as equivalências que me faltavam para ser arquitecto, em Salamanca e em Zurique. Como estava ligado aos hotéis, a minha ideia era trabalhar fora de Portugal, fora do feudo.»
É uma história em que prefere não se alongar, «para não levar com um processo em cima».
Recorda ainda um outro professor, já no ensino superior.
Um professor de Estética, Armando Azevedo, pintor e crítico de arte, que em plena sala de aula lhe disse que «mais importante do que o curso é o percurso, ou seja, per – durante – mais curso – vida».
Aos empurrões João Corga entrou na vida profissional, como diz, «aos empurrões». Já fez de tudo um pouco, com insucesso e com sucesso. Conhece «os dois sabores» e acredita que ainda irá experimentar mais coisas, de sucesso, porque acredita «no bom senso e que a idade dá outra visão das coisas, e equilíbrio». Trabalhou, por exemplo, ligado ao lazer, à madeira, à metalomecânica ligeira, aos vinhos e à restauração, e valoriza todas essas experiências, «umas boas, outras menos boas e outras desastrosas». E agora, na LBG, que integra as marcas MBM Mobile (a estrela, ligada a consultoria e comercialização automóvel), Cassino GranTurismo, Hans Güttmann & Andreas Köhl, Cherry Thoughts, MBMtv e TorkeCrm, confessa estar «com um orgulho sem medida, a dar diariamente o máximo, contrariando tendências, sempre com otimismo e com uma enorme vontade de fazer». Acredita mesmo que «tudo se consegue com dedicação, empenho e seriedade».
A mudança do desenho para as contas aconteceu num ápice. «Sempre fui arisco e voluntário para causas difíceis. Expus-me de tal maneira que com a minha força e a minha determinação fui vencendo e perdendo, mas com um saldo positivo. Também cheguei a fazer algumas proezas, que foi receber um cheque muito gordo de sinal, de um trabalho para o Estado. Foi obra. Na empresa não acreditaram em tal proeza, mas era verdade. Eu tinha poder de persuasão e era vigoroso nas minhas posições. Partia para os desafios de uma maneira inconsciente mas com a certeza, só minha, de que sairia vencedor.» Teve esse sabor algumas vezes. Os melhores anos, de plenitude, diz que foram os de 1999 a 2001, quando deu tudo o que tinha, sem saber de onde tirava tanta energia.
Na restauração, João Corga foi empregado de mesa, mas de resto sempre teve lugares a nível de direção. «Fazia o que mais ninguém queria fazer. As pessoas muitas vezes confundem o lugar de diretor-geral, acham que se trata de um cargo, mas não é bem assim.
É um trabalhador como os outros, só que tem na hierarquia de responsabilidades o poder de decisão, ou deveria ter. Certas empresas não percebem bem esta filosofia, mas adoram ter um diretor-geral para resolver o que mais ninguém resolve. Ou seja,
a criatividade de colocar uma orquestra a funcionar ao mesmo ritmo, com tempos certos e sob a mesma batuta, uma tarefa árdua e por vezes impossível. Os donos, ou se se quiser, à boa maneira portuguesa, os patrões, não deixam que o diretor-geral aja como um profissional. É um problema de mentalidade, as pessoas não conseguem diferenciar propriedade e gestão.
Era bom que se tomasse consciência disto», assinala.
Numa empresa maravilhosa Como CEO da LBG, João Corga apresenta-se como «um trabalhador», e fala de «uma empresa maravilhosa onde as pessoas se interessam muito, trabalham muito e se esforçam para que se possa ter resultados ímpares». Em 2011 o crescimento foi de 40% nas vendas, tendo a empresa ficado no grupo das 200 consideradas «empresas gazelas», ocupando a décima oitava posição do ranking nacional. Em termos de resultados, tem vindo a crescer acima de 20% ao ano (aliás, para ser «gazela» teve de cumprir alguns indicadores de sustentabilidade do negócio, como o de manter pelo menos por quatro anos níveis de crescimento anual de 20%, no mínimo. Isto, para João Corga, «é obra», resulta de «um esforço brutal, num país onde reina a desgraça e onde as empresas são constantemente beliscadas», frisa. Na sua opinião, a LBG não cresce ainda mais por «um problema de fundo, político». E interroga-se: «O que é que vamos fazer se as regras não se adequam ao jogo? É o mesmo que estar a jogar ao Sabichão com as regras do Monopólio.» Por isso defende governos profissionais, para possivelmente um dia sermos felizes. «Lendo Eça percebe-se tudo.»
A LBG surgiu em 2005, «pela cabeça de uma pessoa bastante criativa e engenhosa, que faz diariamente um desafio à vida, com criatividade e espírito positivo », conta João Corga. Passados sete anos, a empresa é conhecida mundialmente pelo percurso, pela
responsabilidade, pelo modelo de governação e pelas boas práticas de gestão. «Peneiras e manias, ou mesmo tiques, ficam lá fora. Os quadros são treinados para olharem para o essencial. Não há mordomias, nem lugares de destaque. Está tudo orientado para o negócio e para o resultado», explica. O presidente, e fundador, é o irmão mais novo de João Corga, como foi referido. Em 2007, Ricardo Corga Rocha queria reorganizar a empresa e fez-lhe o convite para trabalhar com ele. «Só lhe perguntei se podia ser à minha maneira, e ele disse-me que fizesse como entendesse. Um ponto fundamental é o alinhamento de pensamento e a orientação que nos une. A força é muito grande e é passada para todos os elementos das marcas da LBG. Onde houver força não há resistência. É um local muito bom para trabalhar.»
O grande objetivo da LBG é ser reconhecida internacionalmente pelas suas marcas. «O futuro é hoje e temos de viver o dia-a-dia», partilha João Corga.
«Quem é que agora faz previsões nas empresas? Ninguém.
As variáveis são tantas…» Confissões de um homem que não considera ter características suficientemente válidas para ser um empreendedor. Antes se define como «um trabalhador orientado para fazer coisas diferentes, possivelmente inovadoras, algumas
delas minimamente rentáveis». Um homem que nunca olha para o lado nem se poupa a esforços.
«O que me cansa é o Estado, as pessoas que se arrastam nas empresas e nas instituições públicas e a falta de cultura cívica num país que tem tudo para ser excelente.»