Quando me propuseram escrever um texto livre para a DO it! surgiu-me a dúvida que assola muitos nativos de gémeos: escrevo em cor preta ou em cor branca, sobre o bem ou sobre o mal, a direita ou a esquerda?
O meu principal problema existencial é o assunto sobre o qual me debruçarei. Quando crio um prato, começo numa base e acabo no lado oposto!
A única coisa que me mata é o tédio…
Decidi escrever sobre um tópico que acho decisivo na vida das pessoas: O MEDO!
Todos temos medo de alguma coisa e, muitas vezes, temos medo de ter medo.
A mudança, concretamente, traz sempre o medo e o medo é sempre nosso inimigo. É uma espécie de âncora que não nos permite mover. Com o movimento da maré parece que estamos a ir para algum lado mas, na verdade, o que se move é o nosso ambiente e nós ficamos imóveis como uma pedra.
Há 20 anos, ou algo parecido, decidi mudar a minha vida!
Organizei um show na minha casa em Buenos Aires. Não se tratava de um concerto qualquer, mas de um concerto com os meus amigos. Muitos dos que tocaram eram artistas reconhecidos da cena local e o compositor da música que tocámos era pintor, de casas… Para ele aquele era, simplesmente, o dia dos seus sonhos! Era como ganhar o euromilhões e o bingo juntos. Era como ter a Claudia Schiffer e a Naomi Campbell à sua espera… era como ter uma frente formada por Messi, Ronaldo, Eusébio e Maradona … (não a Madonna).
Na noite seguinte, estava sentado a trabalhar no jornal (antes de me dedicar à cozinha, eu era jornalista) e o meu amigo Paul (o pintor de casas) ligou-me para me agradecer e me dizer que a noite passada tinha sido a melhor da sua vida!… Meia hora depois, ligou-me outro amigo para me dizer que o meu amigo Paul (que pintava casas, mas que compunha músicas como a dos Beatles), tinha morrido… Sim, acabava de falecer precocemente aos 26 anos de idade, de paragem cardíaca. Vi o mundo virar-se ao contrário… Na minha cabeça ainda ecoava a sua frase “a noite passada foi a melhor noite da minha vida”…
Depois de chorar três rios de lágrimas pensei que… se essa fosse também a minha última noite… deveria ser a melhor de todas! Nunca sabemos quando é que a foice nos vem procurar. Nessa semana decidi que não queria mais viver na Argentina, nem continuar a trabalhar como jornalista. Queria conhecer a América Latina de mota e a África de jipe. Todas as pessoas me disseram: “estás louco! Com o trabalho e o ordenado que tens… só podes estar louco para largares isso!”
No entanto, hoje penso: que boa é a loucura!
Dois meses depois parti de mota para a Colômbia, numa viagem solitária de 4 meses. Três meses depois rumava a Portugal para aqui viver… sem conhecer ninguém. Um ano depois estava a caminho de África para realizar o meu sonho de viajar por todo o Continente. Foram 22 meses de Lisboa à África do Sul, daí ao Cairo e de volta a Lisboa…
Foi nessa viagem que acabei por perder o Medo – o medo de viver, o medo de rir, o medo do ridículo. Porque não há nada mais ridículo do que ter medo do ridículo!
Para terminar e não maçar – outra noite estava no Congo, Brazzaville, com uma Kalashnikov apontada ao pescoço, pronta para me derrubar. O homem que a empunhava dizia-me que se eu não lhe desse todo o meu dinheiro, não viveria para receber a reforma. Olhei para ele e disse: “Não tenho medo de morrer, veja que aterrei aqui sem paraquedas. É a prova de que não me importo”. O homem desviou a arma e disse-me: “Você está louco…”
E eu digo sempre: “Vida e morte são como água e azeite”. Olham-se, tocam-se, mas nunca se misturam…
Enjoy the process!

