Por: João Faria
Desde 2006 que tenho sido expatriado com responsabilidade no arranque de operações em diversos mercados/geografias, tão díspares como Moçambique e Reino Unido. Mas todos eles com algo em comum, a tendência dos empresários que internacionalizam assumirem que dimensão é factor de sucesso ou diferenciação.
E quando me refiro a dimensão, tenho presente 3 factores footprint geográfico, número de colaboradores e recursos financeiros.
É no máximo factor de conforto para o Cliente, mas não é garantia de nada. Especialmente quando as realidades são tão díspares que nos transportam de leader de mercado para segunda ou terceira linha de influência.
Podemos ainda argumentar que dimensão é garantia de resiliência financeira. Podemos mesmo?
Isso leva-me a questionar o estado da empresa e os reais motivos da internacionalização. Este foi o tema do meu artigo na última edição da DO It!.
Há mercados onde empresas só por serem europeias é factor diferenciador, pois pode simbolizar experiência, e não está relacionado com a dimensão da organização. Há outros mercados onde essas mesmas empresas pouco ou nada conseguem fazer, pois a maturidade dos mercados e os players nelas instalados “jogam noutro campeonato” a todos os níveis. Por exemplo, uma empresa portuguesa a querer entrar no Reino Unido.
E para reforçar este meu ponto de vista, vou-vos relatar um episódio que vivi no mercado Borough Market em Londres em 2017.
É um mercado tradicional com uma forte componente de street food (algo que adoro). E sempre que vou a Londres tento arranjar um tempinho para lá ir, e numa das minhas muitas visitas fui surpreendido pelo cheiro de queijo derretido. Quem não adora o cheiro de queijo derretido?
Lá fui eu de nariz no ar à procura de tal fonte de prazer. Foi quando me deparei com uma das best business lessons na minha vida.
O modelo de negócio era uma coisa simples, um queijo (género do da Ilha) cortado a meio com um aquecedor por cima, para derreter o queijo e uma ventoinha para espalhar cheiro pelo mercado. E o negócio era vender sandes de queijo, bastando para tal barrar o queijo do topo para o pão.
Keep it simple!!! Raramente ganhamos algo em complicar.
Esperei mais de 20 minutos para ser atendido, e quando um moço me pede £6,5. Como bom português, e assumindo que toda a minha experiência em desenvolvimento de negócio me permitiria regatear o preço.
Pela primeira vez levanta os olhos, olha-me intensamente e pergunta “Are you portuguese, aren’t you?”
Claro que sim., respondi eu cheio de orgulho e foi quando a sua postura mudou. Endireitou-se e olhou-me nos olhos e com muita calma disse que só os portugueses regateiam o preço das sandes dele. Não me deixei ficar e argumentei durante alguns minutos. Ele sempre impávido a olhar-me nos olhos e a fila parada.
Quando acabei, ele pede-me o mapa de Londres, com uma caneta marca a grande Londres, onde mais 9,5 milhões de pessoas moram, trabalham e comem. E com muita calma diz, o meu potencial de mercado é maior que Portugal.
De seguida, sem parar acresce mais 2 factos, todos os dias aterra 1milhão de turistas que fica, em média, 3 dias em Londres. E cerca de 0,5 milhões de empresários que também ficam 3 dias. Ou seja, o potencial de mercado dele passa de 9,5 para 14 milhões (mais do que Portugal).
Faz uma pausa para me deixar assimilar os números, volta a pegar na caneta e faz mais um círculo no mapa dizendo “destes 14 milhões cerca de metade está concentrada num raio de 10-12 estações de metro e o eu estou nesse circulo.”
Ou seja, o potencial de mercado dele reduz-se para 7 milhões de Clientes, maior do que Portugal ativo.
De imediato atira, seco, “neste mercado entram 2.000 pessoas por dia e eu vendo, em média, 200 sandes por dia. Logo a minha faturação anual ronda £474.500. o que faz de mim maior do que a maioria das empresas portuguesas, logo se não quiseres pagar não pagues. Encara-o com a minha ação de responsabilidade social para os mais desfavorecidos”.
Claro que paguei e agradeci a lição que o vendedor de sandes me deu.
E como todas as histórias, tem que haver uma lição de moral, e esta não podia ser diferente. Irei sintetizar em alguns pontos:
- A nossa dimensão é relativa
- Humildade é chave na vida e nos negócios
- Quando estamos a internacionalizar temos que ter presente que somos visitas
- Antes de nos aventurarmos, temos que conhecer a envolvente, a real dimensão do mercado e dos seus players.
- Há que estar preparado para:
- Adequar a nossa oferta ao mercado, tirando partido das nossas mais-valias. O que funciona e é apetecível num mercado pode não funcionar noutro.
- Responder a “Estamos no mercado para ser leaders ou para fazer negócio?”
- Fazer parcerias locais ou com empresas conhecidas, afinal há muito tempo que se diz que a união faz a força
Na minha opinião as organizações devem tentar fazer esta análise com muita tranquilidade antes de abraçarem um novo projeto. No entanto, muitas das vezes falta-lhes a experiência vivida, e o distanciamento emocional para tal, daí terem que ser humildes e pedir a colaboração de elementos externos para os ajudar encontrar as suas “sandes”.
Logo devemos perguntar constantemente “Sou grande!!…não sou?”